Um Sacrifício à Luz da Praça

Quando a fumaça branca desenha caminhos silenciosos acima dos telhados antigos de Roma, o mundo prende a respiração. Não há mais incerteza sobre o nome, não há dúvidas sobre a resposta à velha pergunta: “Habemus Papam?” No entanto, a verdadeira pergunta, mais profunda, ecoa nos corredores ocultos do coração: o que se passa na alma daquele homem que, repentinamente, se vê chamado a um papel de sacrifício diante de uma multidão invisível, estendendo-se da praça para todos os cantos do mundo?

É fácil, diante das luzes, enxergar prestígio. Mas quem já sentiu o calor de um café entre as mãos, numa manhã qualquer, sabe que há mais do que aquilo que aparece na superfície. O aroma que sobe é feito de tempo, de esperas silenciosas, de processos internos que acontecem quase em segredo. Assim também são as grandes entregas humanas: acontecem longe dos olhos, no sobressalto íntimo de perceber-se insuficiente — e, mesmo assim, necessário.

Enquanto milhares aclamam na praça e o mundo celebra, há um instante em que tudo silencia. O novo Papa, ali, diante do povo de Deus, talvez reprimindo as lágrimas que insistem em fugir — não de glória, mas do temor reverente de quem sabe que começa, ali, um caminho sem retorno, um caminho cujo termo muitas vezes é o sacrifício silencioso.

“Não sou eu quem governa a Igreja, mas o Senhor. O Senhor pode nos mostrar aonde ir, e Ele sempre a guia, mesmo por meio de homens fracos.”

(papa bento xvi)

Na pequenez humana, a grandeza da missão transborda e pesa. Como seria possível estar pronto para isso? Quem pode, de fato, sustentar o peso da história, da esperança e do sofrimento de tantos? Nessas horas, talvez seja inevitável, como sugeria aquela oração antiga, olhar para o céu e perguntar: “Por que eu?” João Paulo II, ao apresentar-se pela primeira vez ao povo romano, antes de sua bênção inaugural, pediu o inusitado: “Se eu errar, me corrijam.” Não havia ali soberba ou certeza, mas uma humildade radical de quem reconhece que a autoridade verdadeira é sempre vivida entre tremores.

O aceno da mão do Papa, tantos metros acima da praça, é menos de celebração e mais de acolhimento. É um convite silencioso para que cada observador interprete aquele gesto não como o triunfo de um, mas como o chamado de todos ao serviço — porque a cruz não é escolha pessoal, mas destino solidário. Quantos de nós, diante de responsabilidades inesperadas (seja uma família recém-formada, uma doença, um novo emprego, uma perda), também sentimos a alma tremer? Quantos, ao longo da vida, já esbarraram nesse sentimento de pequenez diante do imenso?

É nesse ponto que a metáfora do café convida à reflexão. Enquanto esperamos a infusão perfeita — a água quente envolvendo o pó, transformando amargura em aroma, solidez em essência —, percebemos que a espera faz parte do mistério. A dedicação silenciosa transforma o comum em sagrado. Assim é a missão do Papa: não se trata de saber-se apto, mas de confiar que, no calor da entrega, o ordinário será, aos poucos, transfigurado. Santo Agostinho já advertia em suas Confissões:

“Senhor, tu me chamaste, mas quem sou eu para cumprir algo tão grande? Se ordenas, dá-me também a Graça.”

(santo agostinho)

A sombra da Basílica de São Pedro, tão imensa, parece diminuir quem a atravessa, mas é também abrigo aos frágeis. Ali, o escolhido talvez recorde todos os momentos em que julgou não estar à altura, lembrando-se dos próprios medos, das falhas passadas, dos pecados confessados no silêncio. Possa, como Pedro à beira do lago, ouvir de novo: “Apascenta as minhas ovelhas.” Às vezes, esse chamado retumba mais como uma pergunta angustiada do que como uma certeza inabalável.

A cada manhã, ao redor de tantas mesas, repetimos nossos próprios rituais, cafés servidos em xícaras modestas ou em louças herdadas, sozinhos ou acompanhados, talvez refletindo sobre como viver à altura do dia que começa. O café é, então, símbolo daquele breve intervalo em que nos escutamos, nos acolhemos, e buscamos forças não no sabor da vitória, mas na coragem de continuar. O Papa recém-eleito certamente não se sente glorioso, mas chamado ao sacrifício. Não subiu a um trono, mas abraçou uma cruz invisível, sentindo de antemão o peso, a renúncia, a quase solidão, mas bem amparado pelo Espírito Santo.

Há, nisso tudo, uma lição silenciosa para cada um de nós. Vivemos em uma época que confunde notoriedade com vocação, performance com missão. Esquecemos, por vezes, que as maiores entregas humanas são feitas sem plateia, no recanto da consciência, sustentadas apenas pela fé de que, amparados pela Graça, não estamos sozinhos. Madre Teresa, serva dos pobres e pequena aos olhos do mundo, dizia:

“Deus não exige que tenhamos sucesso, apenas que sejamos fiéis.”

(madre teresa)

Que este novo Papa, diante da imensidão da tarefa, seja amplamente agraciado para entregar-se inteiro. E que, ao testemunhar esse momento, celebremos menos o poder e mais o mistério do chamado. Porque, na última análise, todos nós — conhecidos ou anônimos — carregamos, um dia, cruzes invisíveis. Que tenhamos coragem também de apoiar, rezar e compreendermos o sacrífico silencioso daqueles que, enquanto todos olham, se perguntam em segredo: “Por que eu?”

Que o café de hoje, partilhado no silêncio ou em companhia, seja esse símbolo modesto de um mundo que muito espera, mas, acima de tudo, muito precisa de presença, humildade e entrega transparente — na praça, no lar, ou na pequenez cotidiana de quem se deixa transformar pelo chamado.